Não esperar normalização: inclusão pressupõe respeito à diferença
E… chega o Vinícius para seu primeiro dia na ABRACE. Mesmo com recepção festiva por profissionais e companheiros de grupo, mantém-se de “cara amarrada”, desconfiado, resistente aos convites para participar. Sem receio, a gente não cai não! Como nos ensina a vida, Freud ou… Maria Rita, está apenas na defesa! No seu mundo de mágoas!
Mas, permanece no espaço em que a atividade acontece, participando sim… Como? Observando! Logo percebe seus companheiros, também nesse mundo de mágoas… realizando suas possibilidades!
Na saída, mãe vem pegá-lo e um garotinho aparece: com cara de vilão, resmunga, dá comandos e quer tudo com urgência: o que comer, o que fazer!
Os dias passam. Conversas acolhedoras a partir da leitura delicadas de suas ações, sugestões, gota a gota, de formas de agir menos sofridas… Confiança cresce, defende-se menos, ousa mais.
Sua participação se amplia. A figura de vilão vai se apagando dando lugar a um sorriso maroto e muita disposição de estar presente. Em todas as atividades!!! Integra uma de suas áreas mais doloridas, a de atividades físicas!! Dentro e fora da ABRACE!!!
No lugar do garotinho, vai aparecendo pouco a pouco a pessoa, o jovem Vinícius. “Alegre, com expectativas e amigos” como diz a mãe.
Suas mágoas continuam, mas não estão mais controlando sua vida!
E, no isolamento devido à pandemia, participa de encontros on-line, declarando a falta que sente das atividades na ABRACE. Com voz rouca, forte e clara, diz: “Quando a gente voltar…”
SOBRE OS PROBLEMAS, AO PRESSUPOR A NORMALIZAÇÃO
O modelo social de abordagem da deficiência foi precedido pelo modelo médico. Para essa visão estritamente médica, a pessoa com deficiência é que deve se “normalizar” o tanto quanto possível para a vida em sociedade, na medida em que será reabilitada para se assemelhar às demais pessoas válidas e capazes. Teoria da normalização surgiu no início de 1970.
Em 1972, Paul Hunt liderou um movimento de discussão sobre a pcd que resultou em uma análise da deficiência bastante básica, mas que continha um novo conceito, revolucionário, em que a deficiência era compreendida como resultado da relação entre a pessoa e o contexto social, não meramente uma condição biologicamente determinada.
Esse grupo, a UPIAS – Union of the Physically Impaired Against Segregation é amplamente reconhecida por ter estabelecido os princípios que levaram ao desenvolvimento do modelo social de deficiência.
O modelo social de deficiência e a escola
Mais de 30 anos depois, em 2006, a Organização das Nações Unidas (ONU) publica a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência que apresenta a seguinte definição:
Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.
Conforme orienta o especialista Romeu Kazumi Sassaki, para compreendê-la, vale a pena dividi-la em duas partes.
A diferença entre impedimentos e barreiras
A primeira diz respeito ao aspecto clínico representado por um tipo de impedimento que é particular da pessoa. Até bem pouco tempo atrás, só se levava isso em consideração. Mas a chave para compreender o que é deficiência a partir do modelo social, ou seja, na perspectiva inclusiva, está na segunda parte, que se refere a fatores que são externos à pessoa.
São fatores que chamamos de barreiras e que podem estar presentes na arquitetura, na comunicação, nos meios de transporte e até mesmo nas atitudes. Isso quer dizer que, de acordo com essa nova definição, a deficiência é resultante da combinação entre os impedimentos, que são particulares de cada pessoa, e as barreiras existentes na sociedade*.
*Rodrigo Hübner Mendes, fundador do Instituto Rodrigo Mendes e militante da educação inclusiva, exemplifica: “Quando uma pessoa com deficiência física visita Ouro Preto, as muitas barreiras arquitetônicas presentes na cidade evidenciam sua deficiência. Por outro lado, se essa mesma pessoa visitar Viena ou Copenhagen, cidades consideradas acessíveis, sua deficiência tende a ser minimizada. Ou seja, a ausência de barreiras faz com que o seu impedimento físico não se transforme em impossibilidade, em exclusão. É aí que entra o conceito de acessibilidade, que prevê a eliminação de barreiras que impeçam o direito de participar de todos os aspectos da vida contemporânea”.
O modelo social esclarece, portanto, que o fator limitador são as barreiras presentes no ambiente físico e social e não a deficiência em si. O foco, portanto, não está em “tratar” a pessoa ou esperar que ela “mude”, mas identificar e eliminar as barreiras existentes nos espaços, no meio físico, no transporte, na informação, na comunicação, nos serviços, nas atitudes etc., que impedem ou dificultam sua plena participação em todos os aspectos da vida contemporânea.
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